Helena,
26, nasceu homem. Anderson, 21, nasceu mulher. Travestidos como o sexo
oposto, ambos se apaixonaram e formaram um casal há dois anos, em Porto Alegre (RS). Anderson engravidou de Helena em novembro de 2014. Neste mês, nasceu Gregório, filho do casal.
O nome
é homenagem ao poeta brasileiro do período barroco, escritor preferido
de Helena, que sonha em ser professora de literatura.
Eu me
assumi homossexual aos 10 anos de idade, hoje tenho 26. Naquela época já
percebia que a minha atração era por meninos, mas meu nome ainda não
era Helena.
Comecei
a me travestir aos 19 anos. Eu tinha cabelo curto e para "me montar"
recorria a uma caixa com mega hair [aplique para cabelo] e usava as
roupas da minha irmã. Mas a produção era restrita aos finais de semana.
Em uma dessas festas conheci um namorado, um homem que sabia que eu era travesti. "Vou te buscar no teu trabalho", ele me disse.
Fiquei
apavorada porque eu ainda ia trabalhar vestida com roupas masculinas.
Nesse dia decidi ir trabalhar vestida de mulher. Foi quando assumi minha
nova identidade.
Todo mundo ficou me olhando, não me tratavam como Helena, apesar das roupas femininas. Não fiquei muito tempo nesse emprego.
Hoje
sou a pessoa que sempre quis ser. Acordo mulher, pego ônibus como mulher
e volto para casa como mulher. E agora sou mãe do Gregório, que nasceu
em 7 de julho.
Meu
namoro com o Anderson [que nasceu Andressa] começou no inverno de 2013,
em uma festa. Eu estava sozinha e fui ao banheiro feminino. "Nossa! Tem
um homem aqui dentro!", gritei. "Não sou um homem, sou uma mulher",
explicou o Anderson. Ele me convidou para tomar uma bebida e aceitei. No
fim da noite, trocamos contatos e ele me levou até a parada de ônibus.
Virei
travesti para ficar com homens e a Andressa virou Anderson para ficar
com mulher. Não imaginávamos ficar com alguém do sexo oposto. Por isso,
eu não levava muita fé que a amizade viraria namoro. Mas virou.
Era um
namoro tradicional no começo, íamos ao cinema toda quarta-feira. Depois
passamos a namorar escondido na minha casa. Depois que descobriu, a
minha mãe não aceitou o namoro. Meu pai não fala mais comigo e não
conheceu o neto ainda.
A
família do Anderson é muito legal e aceita ele, que assumiu a identidade
masculina aos 15 anos. Os pais dele são do interior e não imaginavam
que eu era travesti.
Sempre
me trataram bem. Foram uns seis meses até que meu pai me mandou embora
de casa. Eu e Anderson alugamos um quarto de pensão.
Quando soubemos da gravidez, em novembro de 2014, providenciamos um apartamento, onde moramos hoje.
A
gravidez não foi planejada, mas foi desejada. Bebemos em uma festa e não
lembrávamos se tínhamos usado preservativo ou não. Quando a menstruação
do Anderson atrasou, fizemos um teste de farmácia. Deu positivo. Depois
fizemos um teste no hospital. Também deu positivo.
Eu
fiquei muito feliz. Como o Anderson é masculino, não sabia se ele iria
querer levar a gravidez adiante, ficar com um barrigão, amamentar.
Perguntei: "Tu vai querer?". "Sim, com certeza", ele disse.
Eu
pensava em ter um filho depois de formada, para dar exemplo. Tranquei a
faculdade de letras no terceiro semestre. Quero ser professora de
literatura. Os meus preferidos são os clássicos, como "Iracema", do José
de Alencar. O nome do Gregório é uma homenagem ao poeta barroco
Gregório de Matos (1636-1696).
Só
contei na minha empresa sobre a gravidez após meus três meses de
experiência. Minha chefe recebeu muito bem e organizou um chá de fraldas
para todos funcionários.
Senti
muito medo de criar uma criança sozinha, de perder o emprego. Me
considero mãe, mas oficialmente, como não gerei o bebê e não dei à luz,
sou o pai. Por isso tirei licença-paternidade e ganhei algumas folgas. O
Anderson está de licença-maternidade.
O
parto foi muito tranquilo e fomos muito bem tratados no Hospital Fêmina.
As pessoas perguntaram se éramos irmãs. Mas algumas enfermeiras sabiam
que éramos um casal e acompanhei o parto.
O
Gregório é um bebê muito calminho, não chora, só resmunga de fome. Ele
dorme bem, mas acorda a cada três horas para mamar no peito e não
desgruda do Anderson.
Na
hora de trocar a fralda, nos dividimos. Na hora do banho é igual. Eu
saio para trabalhar e quem fica com o bebê é o Anderson. Leio
comentários na internet dizendo que meu filho vai crescer com vergonha
dos pais. Não é a minha realidade. Quem não tem preconceito apoia e
entende.
Um dia
vou contar para meu filho que fui um homem que virou mulher. As
crianças da minha família me chamam de Helena. Crianças não têm
preconceito, quem coloca isso na cabeça delas são os adultos.
Fonte: Folha de São Paulo via Cidade News
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