O Fantástico mostra novas denúncias envolvendo a máfia das próteses. Além das operações desnecessárias, médicos chegam a usar
material vencido, só para ganhar comissão. E, o que é mais chocante:
desta vez, as cirurgias são no coração dos pacientes. A reportagem é de
Giovani Grizotti.
“Eles
correm risco de vida. Eles podem morrer. Porque a partir do momento que
você coloca um produto que tem uma droga que está vencida, ele pode ir a
óbito”, diz uma testemunha.
“São
hospitais que colocam dois, três stents num paciente sem necessidade.
Fazem as análises, veem que tem apenas uma obstrução e colocam dois ou
três apenas pra ter uma comissão maior”, conta outra testemunha.
Essas são testemunhas de um esquema que coloca em risco a vida de pacientes com problemas cardíacos em troca de dinheiro.
Os
stents são tubos metálicos usados para expandir os vasos sanguíneos
entupidos do coração e normalizar a circulação. Em muitos casos, são a
única saída para evitar um infarto. E uma fonte de lucro para médicos
inescrupulosos. Veja o que diz um ex-funcionário de uma distribuidora
desse tipo de implante do Rio Grande do Sul:
“Cada
stent, o médico chegava a ganhar até R$ 3 mil, R$ 3,5 mil, R$ 4 mil.
Então, tu imagina ele colocando dez stents num mês, ele ganhava R$ 35
mil, R$ 40 mil. Somando 12 meses, ele ganhava R$ 480 mil por ano. Tudo
em dinheiro vivo, fora de taxas, não declarado”.
O
cardiologista Fernando Sant’Anna decidiu investigar a real necessidade
do uso de stents. “Nós estudamos 250 pacientes e foram 451 obstruções,
451 entupimentos”.
Neste universo pesquisado, ele chegou à conclusão de que 22% dos implantes de stent são desnecessários.
Em
Itajaí, Santa Catarina, um crime pior ainda. Uma mulher trabalhou para
um distribuidor de implantes e diz que pacientes de um hospital
receberam stents com prazos de validade vencidos.
“Se
está próximo do vencimento ou está vencido, esse valor ele aumenta.
Maior é o valor da propina. No final do mês ele pode ter de R$ 20 mil a
R$ 30 mil de salário extra”, conta.
Ela
entregou ao Fantástico cópias de mensagens e planilhas que detalham as
comissões pagas a um médico do hospital. Procurada, a direção abriu uma
sindicância, ainda em andamento, e confirmou que dois pacientes
receberam stents vencidos.
“Jamais
esperávamos que uma situação dessa pudesse ter acontecido. Os pacientes
estão sendo acompanhados periodicamente pelos médicos cardiologistas
clínicos”, explica Zilda Bueno, assessora jurídica do hospital.
“Essa
utilização de stents com prazo de validade vencido pode obstruir o
stent, levando à ineficácia da colocação desse stent, podendo acarretar,
óbvio, consequências de caráter irreversível e até óbito”, alerta
Carlos Vital, presidente do Conselho Federal de Medicina.
Em
Uberlândia, Minas Gerais, marcapassos eram colocados, sem necessidade,
nos corações dos pacientes. Os fornecedores dos materiais pagavam
comissões para os médicos.
Fantástico: Quais eram os valores desses marcapassos e a que percentuais chegavam essas comissões?
Carlos
Henrique Cota D’Ângelo, delegado da Polícia Federal de Uberlândia: Era
realmente uma fonte de recurso muito boa, porque produto de até R$ 80
mil chegava-se a porcentagens de até 50% desse produto, colocado em
grande quantidade.
“Outros
tipos de procedimento poderiam ter sido feitos pra que se evitasse a
colocação do marcapasso”, avalia o procurador da República Frederico
Pellucci.
No Brasil, as comissões contribuem para encarecer os implantes.
“Na
Europa, um stent farmacológico ele é comercializado a 300 euros, mais ou
menos. Já no Brasil, o valor praticado é no mínimo R$ 8 mil, e pode
chegar a até R$ 13 mil, R$ 14 mil”, afirma o procurador da República de
Urbelândia Cléber Eustáquio Neves.
O
procurador de Uberlândia investiga abuso de poder econômico no preço das
próteses. As notas fiscais obtidas revelam uma diferença muito alta
entre a compra e a venda. Um parafuso usado em cirurgias de coluna
custou ao distribuidor de Minas Gerais o equivalente a R$ 260. Em Porto
Alegre, ele foi vendido por quase R$ 4 mil, uma diferença de 1.438%.
O
Conselho Federal de Medicina defende uma tabela para os preços de
próteses e implantes. “Isso vai coibir a exorbitância de lucro que
inclusive levam à possibilidade de maior oferta de propinas”, diz Vital.
Nos
Estados Unidos, o jornal The New York Times, um dos mais importantes do
mundo, publicou no mês passado uma reportagem sobre uma gigante no
mercado de próteses. A Biomet, desde 2012, é investigada pelo pagamento
de propinas para médicos no México e no Brasil. Aqui, a Biomet é
fornecedora de próteses e outros materiais para a Intelimed.
No domingo passado, o Fantástico mostrou que a Intelimed paga comissões de até 20% aos médicos que indicam seus produtos.
Fantástico: Como é que vocês tão trabalhando comercialmente?
Vendedor: Depende das linhas, né? Depende das linhas, 15%, 20%.
A
empresa fornece próteses para o doutor Fernando Sanchis. Como foi
mostrado semana passada, o esquema de liminares usa documentos falsos
para obrigar governo e planos de saúde a pagarem por operações
superfaturadas.
Daniela de Castro Nicheli diz ser uma das vítimas do doutor Sanchis e está processando o médico.
“Eu tenho muita dor. E eu perdi o movimento do pé. Eu não tenho força no pé e nem o movimento normal”, afirma.
Ela ficou com dificuldades para caminhar. “Eu não posso dirigir, eu não posso sair com o meu filho para passear”.
Na
segunda-feira, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul
abriu sindicância contra Fernando Sanchis. Os hospitais em que ele
atuava também vão investigá-lo.
Durante
a semana, o Fantástico recebeu dezenas de denúncias contra a máfia das
próteses. No Rio de Janeiro, o médico Marcelo Paiva Paes de Oliveira
passou por uma operação de coluna há mais de um ano:
“Existem
três laudos médicos dizendo que a indicação cirúrgica foi uma indicação
mal feita e que na verdade atendeu a interesses financeiros. Minha
cirurgia custou só de parafuso, seis parafusos, R$ 208 mil”.
Na sexta-feira, o Conselho Regional de Medicina do Rio abriu um processo contra o cirurgião que operou Marcelo.
Em
alguns casos, o descalabro começa mesmo antes da cirurgia. A empresa
pernambucana Intraview, de equipamentos de diagnóstico por imagem,
superfatura a venda.
“A gente pode botar um preço maior e fica um negócio legal pra você. Pra cima, o céu é o limite”, oferece o vendedor.
No
mercado de próteses, havia certeza de impunidade. “Ninguém vai
investigar, ninguém vai dar bola. Isso acontece há mais de 12, 13, 14
anos”, diz uma testemunha.
“Uma
profissão tão nobre quanto a medicina não comporta as pessoas atuarem
dessa maneira. Se preciso for, cassar o registro profissional deles”,
diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.
Depois
das denúncias do Fantástico, CPIs foram propostas na Câmara dos
Deputados e na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O governo
federal anunciou, na segunda-feira, a criação de uma força-tarefa com o
Ministério da Saúde, Receita e Polícia Federal para fazer uma devassa no
mercado negro das próteses.
O vendedor diz que tem medo de virar nome de uma operação da PF. “Eu não quero tá com o nome em operação nenhuma dessas aí”.
Justamente o que o governo pretende fazer.
“Nós estamos declarando guerra com toda a nossa força”, garante o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
“Eles
não estão preocupados com o paciente. Eles estão preocupados quanto
eles vão receber no final. Pra eles o que importa é, no dia 30 de cada
mês, quanto eles têm pra receber”, afima uma testemunha.
Fonte: G1
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