“Passei de neto a pai da minha avó.” A frase é do porto-alegrense Fernando Aguzzoli, 22 anos, que acompanhou de perto os últimos meses de vida de Nilva de Lourdes Aguzzolli, diagnosticada com mal de Alzheimer há seis anos.
O estudante de filosofia UFRGS trancou a faculdade no início do ano passado, largou emprego e as festas com os amigos para se dedicar em tempo quase integral aos cuidados da matriarca da família Aguzzoli ao lado da mãe, Rose Marie, 55 anos. Vovó Nilva, como ficou conhecida, morreu em dezembro de 2013.
O mal de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa ainda sem cura, mas a chance de controlá-la é maior se ela é detectada precocemente. Ocorre na terceira idade e seu sintoma mais comum é a perda da memória, mas compromete ainda o comportamento e pensamento do paciente.
As experiências vividas, ora inusitadas, ora dramáticas e as lições aprendidas durante o período, o inspiraram a criar uma página em uma rede social. O sucesso dos relatos daquela rotina um tanto incomum e os diálogos compartilhados com a avó foi tão grande que gerou um livro. “Quem, Eu?” deve ser publicado em setembro deste ano.
“Escrevi o livro ao lado dela. Transcrevia tudo o que ela me dizia. Foi fantástico. Mas não queria que fosse um livro só biográfico. Além dos diálogos, coloquei opiniões de profissionais. Mas não de uma forma muito técnica. É para um leigo entender mesmo como é essa doença”, explica ao G1.
A inversão nos papéis de avó e neto foi uma tentativa de não sucumbir à tristeza, inevitavelmente provocada pela doença. “É realmente uma doença familiar. Deixei de ir a festas com meus amigos para limpar dentadura, por exemplo. A gente criou uma relação de melhores amigos”, comenta sobre o relacionamento que passou a ter com a mulher que cuidou dele durante a infância.
Do desespero ao cuidado
Tudo começou quando a família percebeu os frequentes enjoos de Dona Nilva, que morava sozinha em um apartamento em Porto Alegre. Após uma série de exames com diferentes médicos, saiu o diagnóstico. “A gente percebeu que ela ficava muito enjoada depois do almoço. Depois a gente viu que ela estava tomando os comprimidos para pressão alta de forma errada. Às vezes tomava mais de uma vez, outras vezes esquecia”, relata o neto.
Aos poucos, a enfermidade foi comprometendo o cérebro de Dona Nilva. Deprimido, o neto achou que hora de agir. “Foi desesperador quando vi que minha avó ia ficar acabada, ia ter que usar fralda, não ia conseguir engolir comida. Eu não tinha como curar a minha avó. Mas decidi dedicar todo o meu tempo a ela”, avalia.
Com o passar dos meses, a rotina da família Aguzzoli foi totalmente transformada. “Eu e minha mãe começamos a aplicar mudanças leves no cotidiano da minha avó. Alugamos um apartamento para ela na mesma rua que a nossa, depois no mesmo prédio. Até ela vir para dentro de casa”, afirma.
Com bom humor e palavras de carinho, Fernando criou a página Vovó Nilva no Facebook. Ali, reproduziu momentos comuns na rotina de quem sofre de Alzheimer: seja o paciente, sejam os familiares. O espaço foi crescendo e hoje já tem mais de 11 mil seguidores.
“Meu intuito era criar um espaço diferente para falar do Alzheimer. Normalmente quando se fala da doença é de forma negativa e muito técnica, específica. Queria fazer um contraponto a esse conteúdo. E encontrei pessoas de várias partes do Brasil e do mundo que quiseram compartilhar também suas histórias”, revela.
Em dezembro de 2013, Dona Nilva não resistiu a uma infecção urinária, pouco antes de completar 80 anos de idade. “Eu não sou um herói, não sou um guri iluminado. Eu apenas tomei uma decisão e fiz o que tive que fazer. Todo jovem pode se relacionar com seus avós. Não é porque ela era velha ou porque tinha um obstáculo no caminho. Aprendi muito com ela”, analisa o jovem.
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