por Dra. Isabela M. B. David
Antes de escrever este artigo, eu realizei uma "pesquisa informal", perguntando a pessoas conhecidas o que elas sabiam sobre o uso de substitutos de refeição. Todas, invariavelmente, disseram acreditar ser uma proposta relativamente nova, que surgiu nos últimos anos em consequência da epidemia da obesidade. A maioria acredita que os substitutos de refeição - ou "meal replacements (MR ou MRP)", em inglês - surgiram para atender especialmente àquelas pessoas que, envolvidas no ambiente obesogênico ao qual estamos expostos, têm dificuldade em planejar adequadamente as refeições, vencidas pela praticidade, pela falta de tempo ou, mais comumente, por ambos. Afinal, nas últimas décadas passamos a ter um "disk qualquer coisa" para as horas emergenciais e uma variedade infindável de produtos disponíveis no mercado para atender a consumidores desavisados, herdeiros de uma genética adaptada ao homem primitivo, sujeito à escassez de alimentos. Aquele para o qual "poupar energia" na forma de gordura corporal era, certamente, uma vantagem evolutiva.
De certa forma, o homem "desavisado" se superou: tornamo-nos mais informados! É verdade, nunca se falou tanto sobre a qualidade das gorduras, proteínas e carboidratos da dieta, do conteúdo nutricional dos alimentos, de suas propriedades e de seu poder em atuar no aumento ou redução de risco de doenças crônicas não-transmissítiveis, como a própria obesidade, as doenças cardiovasculares, o diabetes mellitus e o câncer, entre muitas outras. A globalização do mercado de alimentos passou a nos disponibilizar uma variedade surpreendente de produtos, não apenas aqueles hipercalóricos e de inadequado valor nutricional, mas também opções interessantes, exóticas, eu diria até mesmo sedutoras, como amaranto, quinua, chia, arroz selvagem, alfarroba, kefir, shitake, enfim, todos estes que estão cada vez mais presentes no nosso dia-a-dia.
Estamos também num processo em que estes conhecimentos a mais vêm nos tornando mais responsáveis, estendendo a preocupação sobre nossas escolhas alimentares a questões essenciais nos dias de hoje, como a sustentabilidade do planeta.
O alimento deve ser não apenas saudável, saboroso, rico em nutrientes, mas também sua produção não deve destruir o ecossistema e prejudicar a qualidade do solo, enquanto deve ser economica e socialmente justa, com a valorização de quem trabalha para produzi-lo.
Vamos ao tema de hoje, começando por esclarecer o conceito de substitutos de refeição:
Substitutos de refeição são suplementos com a finalidade de ser uma refeição completa e prática, com proporções de macronutrientes e calorias exatas para substituir os alimentos de uma refeição balanceada e nutritiva. Os substitutos de refeição podem ser em pó, barras ou líquidos já preparados. Quando consumidos regularmente, eles podem ajudar a acelerar o metabolismo, queimar gordura e ganhar músculos. Os pós para preparos de shakes podem ser misturados com leite, água ou com o líquido de sua preferência. As barras podem ser facilmente levadas para qualquer lugar e são muito gostosas e práticas. Os líquidos já preparados são muitos gostosos também.
Contar a história dos substitutos de refeição, voltando-nos mais especificamente para os substitutos líquidos, faz-nos retroceder à década de 60, quando um conceituado médico americano da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), especialista no tratamento da obesidade - Dr. Ernst Drenick (in memorian) - foi citado em um artigo publicado pela revista Life em que ele dizia que a fome - em inglês, starvation, palavra talvez melhor traduzida neste contexto como jejum prolongado - era uma opção terapêutica para o tratamento da obesidade severa. Mas que havia um problema a ser solucionado: com este método, o paciente perdia massa muscular na proporção de 1 libra para cada 4 libras de peso perdido (1 libra = 453,59 g).
Os substitutos líquidos de refeição são usualmente conhecidos como shakes, desde que contenham um mínimo de 170 calorias.
Em continuidade a este processo, nos anos 70, antes da obesidade ser caracterizada como uma pandemia de proporções assustadoras, surgiu o Jejum Modificado por Proteínas (Protein-modified Fasting ou Very Low Calorie Dieting). O uso das VLCDs, ou Very Low Calorie Diets, desenvolvidas clinicamente pelo Dr. Victor Vertes na Cleveland Clinic, em Ohio, nos Estados Unidos, foi validado por estudos científicos realizados pelo Dr. George Blackburn e Dr. Vemon Young no Massachusetts Institute of Technology (MIT): o paciente deveria manter uma dieta com restrição calórica importante (em torno de 375 a 400 calorias por dia), porém mantendo uma oferta adequada de proteínas, capaz de "restaurar" aquelas que estavam sendo perdidas com as alterações metabólicas decorrentes do processo da baixa oferta de energia. Concluíram que este método era capaz de solucionar parcialmente a perda de massa muscular e que era seguro, desde que o indivíduo consumisse proteínas de boa qualidade e realizasse exames periódicos semanais.
O programa conhecido como Opti-Fast Plan tem sido considerado o pioneiro na utilização de substitutos líquidos de refeição, introduzido em 1974 para atender a pacientes obesos, posteriormente sendo incluído na fase de preparação para cirurgia bariátrica. O termo Opti-Fast sugere um "jejum otimizado" - "optimal fasting" - em que a oferta de proteínas é mantida. O programa corresponde a um protocolo de 12 semanas, seguindo recomendações rígidas para manter a saúde e a segurança dos pacientes, os quais realizam uma avaliação inicial para se assegurar que eles obedecem aos critérios de inclusão. Durante e após o tratamento, são continuamente monitorados por uma equipe multidisciplinar (médicos, nutricionistas, psicólogos, enfermeiros), que também os estimulam a praticar atividade física e a adotar mudanças efetivas em seu estilo de vida que contribuam para um peso e longevidade saudáveis. O plano alimentar enfatiza a realização sistemática periódica de exames para o adequado acompanhamento do estado clínico e nutricional. O Opti-fast foi comprado da Novartis pela Nestlé em 2006 e está em processo de aprovação pela ANVISA, portanto ainda não disponível em nosso país.
Em 1977, Dr. Morton H. Maxwell levou este método de emagrecimento - "jejum modificado por proteínas" - para a Risk Factor Obesity Clinic, em Los Angeles, que ainda está em operação na UCLA. Resultados milagrosos têm sido alcançados devido ao suporte emocional estendido aos pacientes neste centro de tratamento, tanto para perda como para manutenção do peso perdido.
No final dos anos 70, uma dieta líquida de muito baixo valor calórico (apenas 300 kcal por dia), criada pelo químico inglês Alan Howard e conhecida como Dieta de Cambridge, foi vendida de "porta a porta" nos Estados Unidos, sem propor o acompanhamento médico necessário, resultando em muitos casos de hospitalização e morte, a maioria de mulheres com menos de 40 libras para perder (cerca de 18 Kg). Estas mulheres perdiam muita proteína muscular com a drástica redução calórica, inclusive do músculo cardíaco, levando à ocorrência de ataques cardíacos fatais. Isto fez com que a maioria dos médicos passasse a evitar a prescrição de dietas muito restritivas, deixando que especialistas, como o Dr. Maxwell, continuassem desenvolvendo as suas pesquisas em centros de tratamento para perda de peso, como o da UCLA, porém sem chamar muita atenção sobre elas.
Segundo o Dr. Sami Hashim, diretor da Divisão de Metabolismo e Nutrição do St. Luke's-Roosevelt Hospital Center,qualquer paciente que se submeta a uma dieta com menos de 600 kcal por dia deve fazê-lo sob o regime de internação hospitalar.
Com o tempo, já na década de 80, surgiram os shakes com maior teor de carboidratos e baixo teor de gorduras e proteínas, permitindo-se que fossem vendidos sem prescrição médica. Estes shakes eram diferentes das VLCDs porque não requeriam supervisão médica, desde que incluídos em dietas com mais de 1000 kcal por dia.
Em 1980, Mark Hughes fundou a Herbalife que cresceu para se tornar a maior distribuidora de substitutos líquidos de refeição na forma de shakes. Os benefícios desta proposta eram nítidos para Hughes, que se mostrou um entusiasmado em promover uma melhor qualidade de vida para as pessoas. De fato, atingir ou manter um peso adequado é hoje reconhecidamente aceito como uma das metas mais importantes para uma longevidade saudável. O produto, conhecido como ShapeWorks Formula 1, contém 9 g de proteína de soja de alta qualidade por porção, baixo teor de gordura e uma quantidade moderada de carboidratos, contendo ainda vitaminas e minerais necessários para uma boa saúde.
Hoje existe uma grande variedade de produtos no mercado. Neste momento em que vários medicamentos para o tratamento da obesidade foram proibidos de serem vendidos em nosso país, parece-nos importante avaliar com maior ênfase outras propostas terapêuticas, como os substitutos de refeição, para que resultados mais efetivos para a perda e manutenção do peso perdido sejam alcançados na prática clínica.
Neste contexto, ajudando a compor os esforços para se combater a epidemia da obesidade, tem se buscado evidências científicas das vantagens e benefícios alcançados pelo uso de shakes, tanto em termos de tratamento médico individual como de Saúde Pública. Nos últimos anos, vários artigos foram publicados, incluindo estudos randomizados duplos cegos (com grau de recomendação e nível de evidência A, de melhor consistência). CLIQUE AQUI para acessá-los.
Concluindo:
A utilização de substitutos de refeição representa uma estratégia importante para se combater a epidemia da obesidade devido a sua simplicidade e conveniência, principalmente por direcionar a escolha do alimento. Eles podem fazer parte de um programa de emagrecimento saudável, sendo que os estudos científicos vêm cada vez mais comprovando os benefícios alcançados quando eles são inseridos num programa de perda ou manutenção do peso. O acréscimo de pó de proteína, usualmente na forma de proteína da soja, pode conferir benefícios adicionais, contribuindo para a saciedade e retenção de massa magra. Os pacientes devem ser submetidos a uma avaliação inicial por profissional especializado para o cálculo das necessidades diárias de nutrientes, mantendo-se adequado acompanhamento do estado clínico e nutricional e recorrendo-se à suplementação de fibras, vitaminas, minerais e ácidos graxos essenciais, quando necessário.
Enviado por:
Dra. Isabela M. B. David
Editora do site
29 de dezembro de 2011
Fonte: ABRAN via Sergio Dantas (Leitor do Atualidades)
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