O Fantástico deste
domingo, 16 de setembro,mostrou como funcionava o ‘feirão’da carteira de
motorista em Mossoró. Todo mundo arrumava licença para dirgir mesmo sem saber
ler ou escrever. O interessado na carteira de habilitação tinha opção de pagar a
propina com peixe, camarão e lagosta!Com essa revelação a Operação Cangueiro
deveria ter sido batizada de Operação Lagosta ou Operação
Camarão
O pagamento de
propinas a autoescolas tem permitido que analfabetos consigam ilegalmente
carteiras de motorista em Mossoró, Rio Grande do Norte. Segundo reportagem do
Fantástico, o pagamento nem sempre é em dinheiro vivo. Nesta semana, 11 acusados
de vender habilitações foram presos.
“A gente tem que
arranjar camarão, arranjar peixe”, diz um dos suspeitos nas negociações ilegais,
que acontecem na antessala do chefe do Detran em Mossoró. Até lagosta servia
como propina, segundo a reportagem.
Para mostrar todas as
etapas desse esquema fraudulento, um policial se passou por analfabeto. O
policial pagou R$ 2 mil para conseguir a habilitação. Ao entrar na autoescola,
inventou uma história. Disse que o patrão dele é quem iria pagar a propina. “Ele
disse: ‘se for preciso pagar, você pague’”, diz o suposto
analfabeto.
A lei proíbe que
analfabetos tirem habilitação. Flávia Arruda, a dona da autoescola mostrada na
reportagem, garante que é possível. “Confia em mim. Não interessa. Você tá
fazendo comigo”, diz Flávia. “Tá certo”, responde o policial disfarçado. Em dois
meses, a habilitação ficou pronta.
Em Mossoró, Rio
Grande do Norte, o aumento de infrações e a descoberta de motoristas que mal
conseguiam escrever o nome chamaram a atenção da Polícia Rodoviária Federal.
“Uma parada mais brusca, uma ultrapassagem inadequada e, na própria autuação, a
assinatura já denunciava que havia algum tipo de irregularidade”, diz Rosemberg
Alves de Medeiros, inspetor da Polícia Rodoviária Federal.
Durante nove meses,
foram investigados donos de autoescolas, instrutores, despachantes e
funcionários públicos. Os promotores descobriram que a pessoa conseguia a
carteira mesmo fazendo barbeiragem na prova de direção. “Foi terrível. Eu saí
com ela, ela subiu no canteiro central”, diz avaliador e instrutor.
Entre os investigados
está Maria do Socorro Arruda, uma senhora de 67 anos. Ela foi flagrada em
escutas telefônicas dizendo o preço da habilitação para um grupo de 30
analfabetos. “Manda os analfabetos pra mim que eu resolvo. É dois mil conto. 500
é meu. E o resto, a gente resolve”, responde uma mulher não
identificada.
O analfabeto tem que
aprender a pelo menos escrever o nome que irá na carteira. O policial, que
fingiu não saber ler nem escrever, filmou Flávia Arruda, a dona da autoescola,
dando as aulas. Nas imagens, ela ensina a escrever "Domingos".
Segundo as
investigações, Flávia ainda tinha acesso às provas do psicotécnico com
antecedência. “Tinha aqui três bicicletas desenhadas e aqui não tinha nenhuma.
Aqui tinha um carro de mão, uma carroça, uma bicicleta. Bom, se tem três
bicicletas, tá faltando... Outra bicicleta”, mostra ela.
Analfabeto ou não,
ninguém precisava participar das aulas práticas e teóricas. Era só pôr a digital
no aparelho que registra a presença e ir embora. Segundo a polícia, a venda de
habilitações em Mossoró ficou tão conhecida que a cidade começou a receber uma
espécie de turismo da fraude. Até moradores de outros estados vão comprar o
documento.
“Isso era um
comércio, uma feira escancarada, um esquema de corrupção, tendo como base a
certeza da impunidade”, afirma Manoel Onofre Neto, procurador-geral de justiça
do Rio Grande do Norte.
O feirão da
habilitação funcionava no próprio Departamento de Trânsito, em Mossoró. De
acordo com as investigações, Jader da Costa, o chefe do Detran, era um dos que
recebiam propina para liberar a habilitação.
As investigações
mostram que as habilitações chegavam a custar R$ 4 mil. O interessado na compra
do documento tinha a opção de pagar a propina com peixe, camarão e lagosta. “Tem
como arranjar uma lagostazinha, não, meu filho?”, pergunta Socorro, por
telefone.
Geralmente, o
dinheiro vivo da propina ia para autoescolas e despachantes. Já os funcionários
públicos preferiam não levantar muita suspeita, segundo a reportagem. Entre os
11 presos está Flávia Arruda, a dona da autoescola onde o policial conseguiu
tirar a carteira se passando por analfabeto. Socorro, que é mãe dela, também foi
pra cadeia. As duas negam participação no esquema.
Outras três
autoescolas estão proibidas de funcionar e as carteiras compradas serão
canceladas. O chefe do Detran em Mossoró foi preso em casa. Nesta geladeira, a
polícia encontrou camarão e lagosta. Jader da Costa, que se diz inocente, foi
exonerado do cargo pelo governo do Estado.
Segundo o presidente
do Grupo Nacional de Combate ao Crime Organizado, formado por promotores, há
investigações de fraudes nos Detrans de quase todo o Brasil. “Quando se fala em
Detran, sempre se tem alguma restrição em termos de corrupção ou de fraudes”,
diz Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, procurador-geral de justiça da
Paraíba.
O Ministério Público
descobriu na Paraíba, ao cruzar as informações do Cadastro Eleitoral com as do
Detran, que o estado tem 50 mil analfabetos que conseguiram tirar a habilitação.
“Hoje, virou uma rotina a gente ter flagrantes de autoescolas repassando CNHs
pelo correio”, conta Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, procurador-geral de
justiça da Paraíba.
Morador de João
Pessoa, João Batista da Silva, 37 anos, foi um dos analfabetos que compraram a
carteira de motorista no estado. “O que você desse pra ele copiar, ele copiava
igual. Mas ele não sabia ler”, conta Tereza da Silva Ferreira, prima de João.
Seis meses depois de comprar a habilitação, João morreu num acidente de
trânsito. “É um esquema que existe em diversos estados e o Ministério Público,
as polícias, precisam coibir esse tipo de fraude, esse crime de corrupção, que
põe em jogo a vida humana”, declara Manoel Onofre Neto, procurador-geral de
justiça do Rio Grande do Norte
Fonte: G1 via Cidade
News Itaú
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